- borboletas pretas

" O dia estava amanhecendo, ela sabia disso, apesar de a luz não ter invadido o quarto deles e de as estrelas não quererem parar de brilhar, ela sabia, que seria mais um dia como todos os outros.

Seus olhos estavam abertos, mas do que ela gostaria que estivessem, decidiu fechá-los. Não adiantaria de nada enxergar coisas que ela já tinha visto e que poderia saber onde estavam localizadas: como o abajur a sua direita ou a cômoda do lado da porta a esquerda e o... Coração dele, bem ali, debaixo de seu ouvido, sob uma pele bronzeada, macia e perfeita. Batidas tão ritmadas, que por um momento ela achou que ele batia só para que ela pudesse ter certeza da jura que tantas vezes ele sussurrou ao pé de seu ouvido... O coração dele pertencia-lhe de verdade.

“Meu coração é só seu, seu e de mais ninguém, para sempre, para toda a eternidade...”

Uma lágrima brotou em seus olhos, e rolou lentamente por sua face, mas antes que pudesse cair ela a enxugou com a mão. Não havia motivo para choro, ele a amava, ela o... Talvez havesse um motivo.

Ela não o amava, e sabia disso, o que vinha-a consumindo, dia após dia, noite após noite. Não queria isso para sua vida, acordar todas as manhãs ao lado de um homem que a idolatrava; ao seu ver, nunca haveria de merecer o suficiente para ficar ali.

Levantou-se enrolada no lençol branco. Ele continuava a dormir, quieto. Olhou pela janela, uma borboleta preta parecia querer entrar. Tratou de desviar o olhar, vestir suas roupas, e não se preocupar com coisas tão inúteis. Sentia seu coração apertar, sua respiração sufocar, e seus pensamentos gritarem desesperadamente “Não!”, enquanto suas pernas paravam diante da porta.

Algo lhe dizia que devia fazer isso, ela não era merecedora dele, e ele encontraria alguém bem melhor que ela, e se deixava convencer lentamente, relutando. Virou a chave, destrancando a porta. Parou. Pensou em desistir, voltar para cama e abraçá-lo tão forte e tão carinhosamente como nunca fizera.

E sim, voltou. Deu-lhe um último beijo, sutil – o que fez ele se mexer um pouco na cama- e abriu uma pequena fresta na janela, deixando só espaço para que a pequena borboleta e uma suave brisa pudessem entrar.

Tudo era igual, mas agora seus olhos não conseguia enxergar aquele cenário com a mesma intimidade de antes. Deixou que a borboleta sobrevoasse o quarto, e saiu pela porta sem olhar novamente para a cama. Ela sabia que não conseguiria, e que isso iria a fazer voltar novamente e se jogar aos braços dele.

Precisava mudar, inventar uma nova vida, uma nova ilusão e seguir em frente. Já não queria aquela realidade. Preferia um novo sonho, um novo conto de fadas, mas isso já era pedir demais, para quem já teve tudo muito além do que mereceu da vida.

Mude. Crie. Recicle seu coração e o coloque de novo na vitrine!

Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo