- agendamos catástrofes
Ela tinha a terrível mania dos planos. Agendava dos momentos
de ficar doente, uma precaução para os dias em que poderia dançar na chuva e
não chegar rápido o suficiente para um banho quente ou para o copo de água
morna logo depois do sorvete gelado num dia quente, até os dias que se
entregaria a solidão com uma porção de batatas fritas no sofá e telefone fora
do gancho.
Ao acordar, antes de abrir os olhos repassava as ocupações
do dia e tentava se lembrar se teria tempo para aquela pedra no
meio do caminho, para aquele farol vermelho inconveniente ou para os velhinhos que
surgiam em sua frente nos momentos mais atarefados. Levantava. Nada de cinco
minutos numa terça feira.
Quando a tarde chegava, como sempre, já tinha tudo
cronometrado e agradecia aos céus por hoje não ser dia de passar no
supermercado. Em compensação, teria que
alimentar o gato da mulher que vivia em frente seu apartamento, mesmo odiando
como ele tentava aranhar suas pernas toda santa vez que tinha que cumprir a
obrigação. Devia-lhe muitos favores sim, mas da próxima vez deixaria claro que isso
não lhe dava direito de revirar sua rotina daquela maneira.
À noite, em todas elas, chorava. Não do modo convencional, mas
por dentro. Duas lágrimas por cada plano falido e levaria o apartamento a
inundação, podendo causar sérios danos ao vizinho que morava embaixo. Não, não
tinha dinheiro para arcar com as despesas se goteiras começassem a aparecer por
todos os lados.
Um dia seria responsável pelo desabamento do prédio todo, mas
torcia que não fosse nem hoje ou amanha. O espaço reservado para catástrofes só estava marcado para dali dois
meses, dezessete dias, três horas e quatro minutos. Não tinha tempo para arcar com mais tragédias. Aquelas que
ela mesma fazia questão de causar já lhe ocupavam espaço demais no calendário.
Comentários
E, graças a deus, rotinas não fazem parte do meu dia, as tragédias sim, mas, enfim, com elas eu até me dou bem.
Bom, e não sei se disse, se disse, acho que esqueci. Mas enfim, to de férias e desempregado, vou aprontar o meme e te mandar, só preciso achar um scanner.
E seu e-mail, se pá, hehe.
beeeijo!
E quem diria, a moça dos sem calendários agendando catástrofes...
Boa noite, até.
"_"
Adorei. E tava com saudade dos teus textos.
Beijoos
Amanda Menezes
Adorei o conto! Esse tipo de escrita me atrai.
Beijo!