- só queria escrever sobre memórias mas acabou sendo para você
Lembra daquela vez que você me confessou que seu maior medo
era terminar atrás de uma mesa, com as medidas da cintura além do considerado saudável
e com uma camisa que faltava um botão? E eu disse que também não queria
viver assim, atrás de um móvel de madeira, com um par de óculos que conquistei
por ler livros demais, e uma cara amarga? Lembra que uma vez você escondeu sua
cara na mochila para não ter que olhar para mim? Eu lembro.
Em uma das nossas primeiras aulas de inglês você perguntou
para o garoto que se tornaria em pouquíssimo tempo nosso melhor amigo o que
era what, ele nunca vai te deixar
esquecer, tenho certeza, porque isso já faz mais de meia década e não faz nem
duas semanas que isso veio à baila de novo só para podermos rir da sua cara.
Desculpa aliás, por essa e todas as outras, porque desconfio que vou fazer isso
toda vez que ele contar, e vão ser muitas ainda. Aguente firme.
E daquela vez que eu me dei conta que você era muito mais do
que eu podia prever, lembra? Ah, não, disso você não lembra porque não cheguei
a dizer, mas foi bem ali que eu soube que nós éramos amigos, amigos mesmos,
daqueles de se escrever com letras maiúsculas e separação de silabas. E eu nem
sei dizer quantas vezes foram, porque se já não dá para contar mais nos dedos
da mão eu desisto.
Também teve aquela vez da coreografia de Single Ladies em
plena quadra só para fazer todo mundo rir. A brincadeira do copo, a vontade de
ir no banheiro, o filme de zumbi. Teve aquele tempo separado e aquele um ano
sem se ver. Teve todas aquelas vezes que da nossa turma só apareceu a gente
para se reencontrar. Mas você sempre veio e eu sempre fui.
Não é seu aniversário nem nenhuma data especial. Para dizer a verdade mesmo, isso nem era para
você, só que eu estou aqui com essa coisa de memórias de amigos na cabeça, e
pessoas que entram para nossa vida depois de ler uma coluna do Antônio Prata e
de já ter terminado o Apanhador No Campo De Centeio e eu tinha que escrever
sobre isso, só que precisava conversar com alguém e aí quando eu vi, pronto,
estava falando com você sem perceber.
Se eu não tenho aparecido muito é que eu tenho tentado
decidir para onde levo a vida, se é ela que me leva ou talvez no final das
contas só queira economizar os cinquenta centavos do SMS, porque ainda acho que
você deve mudar para minha operadora, mas garanto que vou considerar ligar do
meu fixo para o seu.
Eu sei que ainda é cedo, apesar de o dia de hoje já estar
praticamente acabado, mas se eu digo isso é em um aspecto geral porque aí vem
outra memória, você nunca se deu com poesia, nem eu na verdade, mas todos nós
estamos construindo lembranças. Vou me permitir ser melancólica porque há
muito tempo atrás, e coloca tempo nisso, eu te mandei um scrap te alertando que
ficava assim nessa época do ano. Algumas coisas não mudam, por mais que pareça
o contrário.
Por enquanto o que ainda vamos viver é mais do que o dobro
do que um dia vamos nos lembrar. Ou pelo menos eu vou, porque entre nós dois e
todo o resto, ainda sou a de melhor memória. Sei que parece prepotência mas
juro que não é, e declaro para fins de comprovação posterior: coitadas das
nossas lembranças.
Comentários
Somos feitos de lembranças, e isso é umas das coisas que conta na vida. Acrescenta.
Bonito, como sempre...