- achados e perdidos

Hat Full of Stars - Cyndi Lauper

Sabe o que verdadeiramente acontece, moço?Eu também não. Sei que perdi meu chapéu, perdi também qualquer coisa que ainda não tinha, e que por isso ainda não me dei conta. Perdi enquanto vinha pra cá te falar que sentia um vazio estranho de alguma coisa que tinha sumido de dentro do meu peito. Agora são três coisas perdidas e talvez o pior nisso tudo é que eu não sou boa em achar as coisas. Quando o desespero me consome, meu coração acelera e começo a suar frio pensando na possibilidade de nunca mais ver a bendita coisa tão importante eu sempre -sempre mesmo- acabo apelando para São Longuinho. E olha que eu não acredito, hein?Quem em sã consciência se daria ao trabalho de procurar algo escondido no nono inferno de Zandru por três -ou mais, se você for muito generoso e estiver em boas condições físicas- míseros pulinhos?

Cadê João e Maria com sua trilha de migalhas de pão quando se precisa?Acho que na falta deles eu deveria começar a andar com alguns pães na bolsa, nunca mais perderia nada!Ao menos é claro, que alguém roubasse. Não, é melhor não dar todo esse lucro ao padeiro. Odeio enriquecer pessoas que se aproveitam das minhas fragilidades. Odeio todo mundo que se aproveita. Odeio todo mundo. Odeio. O-d-e-i-o.

Mas não se engane rapaz, juro que nem sempre sou tão mal-humorada assim. Pelo contrário, até faço piada -ninguém acha um pingo de graça, verdade, mas faço- durante muitas vezes no dia, sorrio demais até, mas entenda que eu estou sem o meu chapéu hoje e ando me sentindo vazia. Se ponha aqui no meu lugar e imagina que você use uma aliança durante cinco anos todos os dias e de repente ela desce pelo ralo da pia e você nunca mais a vê. É assim, moço. É um vazio que não dói mas que incomoda -e preferia que doesse porque sou bem tolerante a dor, mas com o incomodo sou um fracasso.

Desculpe se me prolonguei e fiz com que você soubesse coisas de mim que até agora eu mesma não sabia, mas peço encarecidamente que estendam as cabines de achados e perdidos para toda a vida. Porque é fora do metrô -e aonde mais possam haver esses cubículos entulhados dos objetos mais estranhos- que nós perdemos as coisas mais importantes.