- é preciso mais que boiar

Waiting... - City And Colour

Juliana não sabia nadar. Um dia, decidiu alugar um bote e tirar os pés do chão. Preferiu se aventurar pelas águas porque dizia que cansara de voar, mas mentia para si mesma. Não havia se cansado de voar, e sim de levar tombos. Mas antes de entrar, se certificou que levava consigo um colete salva-vidas. Aprendera com as músicas internacionais que tocavam em seu pequeno rádio de pilha, que era preferível prevenir do que remediar.

Encantou-se. O mar era tranquilo, você não corria o risco de levar tropeções, ser atropelada ou vitima de um sequestro relâmpago. Não lhe agradavam muito os enjoos, isso era verdade, mas com pouquíssimo tempo já tinha se habituado e até achava graça.

Achou então seguro tirar o colete. O singular virou plural e o solo virou dueto. Ela, sempre tão copo meio vazio, começou a achar que o ar não poderia ser completamente descartado quando se trata de preencher recipientes.

Nada estava no seu futuro minuciosamente planejado. Aquilo não se encaixava no seu horário, mas já não era ela. Sem ser conduzida pelos ponteiros do relógio ou pelas vagas na agenda, não ligava se seu dentista esperaria por ela na próxima terça, se as contas se acumulariam na caixa do correio ou se seus moveis se encheriam de pó.

Em uma dessas vinte quatro horas que o dia tem, o bote furou. E Juliana afundou junto com a embarcação como se sempre tivesse tido uma âncora presa aos pés. Os jornais se aproveitaram da tragédia para ressaltar a importância de saber nadar e divulgar a abertura da nova academia com piscina aquecida da cidadezinha onde a moça morava.

Gostaria de ter tido a oportunidade de lhe dizer que não foi sua culpa, ou das aulas de natação que perdeu. Nessas situações nadar contra a correnteza não adianta de nada, mas saber boiar também não garante que você não vá afundar. Mas essas são lições, que só se aprende depois que já se afogou.
Não, não estou ignorando que hoje é o segundo domingo do mês de maio, portanto, dia das Mães. Sempre haverá ano que vem para um post especial dedicado ao assunto.

Comentários

Renata disse…
O prolema sempre será a âncora nos pés.
Natalia Francis disse…
Achei lindo o texto, Renata. Deu para sentir o que Juliana estava sentindo e se imaginar lá, com ela.

Eu também gosto da tristeza, e não gosto de admitir. Escrevo melhor quando estou com ela.
Obrigada pela visita e aguardo mais dela! Também voltarei sempre aqui.

Beijo!
Camila disse…
Algumas vezes temos que sentir a água subindo para se lembrar como é nadar e respirar novamente...
Concordo com ti, Re! Dia das mães é algo que tem que se estender por todos os dias do ano :)
Beijos
Luís Monteiro disse…
Tenho medo de morrer afogado. Então, até imagino o desespero de juliana. E é, as vezes a gente aprende vivendo, em outras vezes a gente só aprende da maneira irreversível, entende? É o caso da moça do texto, já não dá mais pra ele saber a importância de boiar com o colete, ainda que ela fosse levada pela correnteza e morresse de fome, ou de frio, enfim.
Bjws, até logo.
Fernanda Sousa disse…
Amo seus textos, acompanho seu blog a um bom tempo, e fiquei super feliz com sua visita ao meu. Seus poemas, suas histórias, eu realente adoro!
Adorei o comentario da leitora acima "Algumas vezes temos que sentir a água subindo para se lembrar como é nadar e respirar novamente..." isso é realmente verdade.
Milena M. disse…
A gente foge dos tombos e acaba morrendo afogado. É melhor ter um para-quedas e uma bóia. E aceitar que de vez em quando a gente cai e se afoga mesmo.
Beijo!

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