- sob uma corda bamba caímos

Falling - Florence And The Machine
Desde criança Maria vivia com seus joelhos ralados, tudo isso porque nunca fora boa em jogos de pular, correr, esconder e chutar. Nunca havia conseguido exito em qualquer uma delas pois todas exigiam equilíbrio, e isso era algo que lhe faltava em quantidades assustadoras. Tanto, que por esses tempos já ficava feliz em apenas se manter de pé.

Era como um cubo mágico, com aquelas muitas formas de resolução que ninguém se dá ao trabalho de ler. Era complexa, e sabia disso, mas não fazia questão de tentar se descomplicar.

Um dia, devido aos tempos de crise, a moça perdeu a casa. Agora sem teto e com um destino tão incerto não sabia para onde ir. Debaixo da ponte?Não, tinha medo dos vizinhos que poderia encontrar. Um banco de praça?Tinha certeza que suas costas não a agradeceriam por isso.

Fugindo de um desses perigos que corremos o risco de esbarrar em qualquer esquina, Maria saltou o muro do final da rua, mas antes que pudesse colocar os pés no chão de novo, se equilibrou, apreciou a vista, e pensou ter finalmente achado um lugar seguro. Estava errada.

O que ela não sabia é que sobre uma corda bamba ninguém se sustenta, mesmo sendo um muro de tijolos. Eles não são feitos para suportar grandes paradas e sempre são muito pequenos para te conceder o menor movimento.

A metereologia já avisava que haveriam ventos fortes, mas como Maria se encontrava sem televisão, cobertor e casa, esses foram suficientes para tirar o pouco de equilíbrio que a moça conquistara com meses de exercícios em camas elásticas.

Caiu e só sei que as consequências da queda foram graves. Não posso confirmar quais foram mas dizem que envolveu um dos braços, costelas e talvez tenha ouvido algo sobre o coração, mas não sei, ando com problemas auditivos.

Maria percebeu que não podia escolher dois tipos de sobremesa para uma mesma refeição. Que a vida era feita de escolhas, e que por mais que não fossem fáceis, eram necessárias. Percebeu que por mais que no alto seja mais seguro de vez em quando, quase nunca acaba bem, ao menos que se tenha um paraquedas ou uma televisão em que consiga assistir um telejornal qualquer.

Se a sorte esteve presente nessa história em algum momento, só pode ser vista no fato de Maria nunca ter alimentado o desejo de ser trapezista.
Tenho que parar de colocar posts nos rascunhos e deixa-los tanto tempo lá, que quando vou ver já nem se adequam mais. Mas é isso, nunca façam do muro uma casa.

Comentários

Renata disse…
Sinto que estou melhorando minha habilidade em criar títulos para historinhas bobas.
Henrique Miné disse…
gosto muito dessas histórias calcadas em metáforas, além de serem um puta exercício pro escritor, sempre instigam uma reflexão gostosa de se fazer!

beeeijo!
Fernanda Cabral disse…
Gostei do título. Muito meigo.

Sobre a música, achei maravilhosa. A parte mais emocionante começou a tocar bem na parte que ela sobe no muro... Depois a calminha no encerramento. Foi maravilhoso (confesso que nunca tinha lido seus textos com as músicas escolhidas, porque sou lerda e não vi o player).

Sobre o texto, maravilhoso. Me lembra uma daquelas histórias rápidas contadas em frames de um vídeo. Dessas que o cenário muda rapidamente... Maria e sua casa no fundo e quando ela perda, a casa some da imagem, mas Maria continua ali. Não sei se deu pra entender. Mas essa foi a intensidade que eu li o seu texto, uma surpresa no meu dia em meio a tanto trabalho de Física.

Abri um sorriso no parágrafo sobre as sobremesas. E também no parágrafo sobre não ter TV ou cobertor. Ou no parágrafo em que a corda bamba pode ser um muro de tijolos. Confesso que abri um sorriso em todos os parágrafos.

Texto lindo, lindo. Curtinho e simples, muito bem escrito e narrando a história de mais uma Maria (escrevi o meu sobre Marias esses dias...) e suas desventuras.
Camila disse…
Viver em cima do muro é uma especialidade de muitas pessoas e só um vento forte pode tirar a maioria de lá.
Saudades de falar com ti.
Beijos
Ps. Tem um meme pra ti lá no blog.
Luís Monteiro disse…
A verdade é que nem toda escolha é lá tão infeliz ou feliz. Por varias vezes as escolhas ruins tem lá sua parte boa - a gente aprende - , e vice-versa.

Não sei bem se Maria tem muita má sorte, ou se só aprende errando mesmo. Mais nem sempre é possível acertar a receita de um bolo da primeira vez, e diferente do bolo, não se tem uma receita pra ser seguida, o que só piora tudo. Aqui é vivendo e aprendendo, e ponto.

Em outras vezes é esse mesmo muro que oferece uma vista boa, um lugar seguro até, mais dizem que quanto mais alto o cavalo, maior a queda. E quando não se tem nenhum paraquedas por perto, é melhor não ariscar a subir tanto, a queda pode não haver mais volta.

Mais é vida. rs!
Lindo texto moça, muito.
Bjws, "--"
Mia Sodré disse…
Nossa, isso de fazer do muro uma casa faz tanto sentido, ainda mais para o meu momento atual. Incrível. E a música encaixou perfeitamente. ♥
Saudade de quando eu escrevia textos desse tipo.
Beijo!
Maria disse…
"Maria percebeu que não podia escolher dois tipos de sobremesa para uma mesma refeição. Que a vida era feita de escolhas, e que por mais que não fossem fáceis, eram necessárias."

Não sei se é porque eu sou Maria, mas descobri essas coisas também. Gostei da mistura entre realidade e ficção. Muito doce.

beijo meu
Violeta disse…
nossa, viajei muito com o texto. é que o texto calhou exatamente com minha situação atual. me senti meio Maria haha. eu sei que não da pra ficar encima do muro pra sempre, mas muitas vezes eu gostaria que fosse assim. é tão complexo isso de ter que assumir as vantagens e desvantagens de cada escolha ):

continuo adorando o jeito meigo que você escreve,
se cuida :3
Fernanda Sousa disse…
Seus textos são sempre INCRÍVEIS! Relatos de um dia errado é perfeito! E seu blog como sempre lindo demais!

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