- do que parte, das plantas, dos dias



- Nossa, oi!
- Oi
- Já tem um tempo, né?
- Já.
- Você não apareceu mais...
(Sabe, é porque ficou qualquer coisa assim entre enfadonho e fastidioso. Passando pelo enfastiante, pelo maçante e monótono. Eu gostava muito de você, mas ao longo do caminho eu fui me cansando, é normal, né? No começo tinha sempre uma novidade. Perceber as suas manias, seus gostos. Aprender a lidar com suas partes chatas. Era tão bom. Tão engrandecedor. E eu realmente aprendi muito. Na verdade há muito tempo eu não crescia tanto. Acho que na verdade nunca tinha acontecido de me deparar com alguém que realmente me acrescentasse algo e me trouxesse essa vontade de ser melhor. Até aqui foram só desencontros. Só partes indo e nada de muito bom ficando. Eu sei que pareço ingrata. Eu sei. E acho que estou mesmo sendo um pouco, mas eu preciso de novos ares. E a culpa é minha mas eu divido ela com você. Você sabe que eu já não faço mais as loucuras de antigamente. Você sabe. Por mais que eu não queira admitir você me conhece, e sabia que esse momento ia chegar. Você podia ter dado um jeito de adia-lo. Eu... Olha, eu não digo que te amei. Provavelmente não. Sinceramente acho que não, mas cheguei próximo disso e foi crueldade sua. Crueldade sim. Não sei bem como explicar, certas coisas não tem como, sem cair num mar de outras perguntas que levam a mais desentendidos. Na verdade abrir a boca já é correr o risco de ser mal interpretado, e ficar com ela fechada é sinal de concordância, e eu discordo de tudo. Mas o que eu estava dizendo mesmo? É, que a culpa foi sua. Você era o único, sabe? Como se a gente tivesse caído de avião no meio do deserto e nós dois fossemos os únicos sobreviventes. Eu gostava tanto de você. Tanto. Tanto. Tinha essa sensação maluca de que não cabia no meu peito. Era algo que transbordava. Mas o choro, as lágrimas, elas fazem essas plantinha... Vamos supor que o que a gente tinha era uma planta, certo? Não precisa falar nada. Só me escuta: era uma planta. E ela ia crescendo dia após dia numa velocidade assustadora e parecia que ia ser como João e o pé de feijão, e foi tomando todos os espaços possíveis e como ela me trazia boas coisas, apesar de toda a destruição, eu fui deixando ela crescer. Certo, certo, não era bem uma destruição. Ela estava ocupando o espaço de outras árvores infrutíferas, sempre uma coisa boa. Eu me acostumei, sabe? Ter ela sempre ali a mão. E tudo corria bem. Eu era feliz, nós éramos felizes. Mas felicidade nunca dura muito tempo. Logo já não tinha mas para onde ela crescer e aí o que a gente faz? Cava mais fundo porque não dá para alcançar o céu sem ter uma base sólida. Não que fosse pretensão minha alcançar o céu, mas é sempre bom ter meios para tal, só para qualquer caso, e eu sei que você sabe disso. Um dia veio essa chuva, e ao invés de fazê-la crescer, a chuva, porque é uma chuva ácida, de choro, de tristeza, foi fazendo com ela diminuísse, e assim foi indo. E lógico que teve tempos em que ela ficava maior, voltava, como se nada tivesse acontecido, mas eu sempre soube. Eu nunca esqueci. Eu não esqueço. Eu não consigo. E agora ela está tão pequena, que eu não quero ficar aqui para ver o ultimo suspiro. Eu não sou capitã de nenhum navio. Eu ainda posso me salvar. E eu espero que você faça o mesmo. Eu sei que eu também tomei quase todos os cômodos da sua casa, e que em algum momento eu te fiz acreditar que era uma coisa boa, mas não foi por mal. Eu também acreditava nisso. Mas agora, agora passou. E só restou essa bagunça toda. Talvez eu deva contratar algumas empregadas. Não acho que vá conseguir, agora com todo esse negócio de banco de horas. E isso vai demorar tanto tempo, para organizar toda a bagunça. Eu sei que você não entendeu nada, mas eu já tinha te dito que você nunca entenderia. Sou mesmo essa coisa complicada. Você também não é fácil. Nós somos qualquer coisa assim, que se puxa para baixo, e eu não posso mais viver assim. Não posso ficar a mercê desses meus pensamentos. Sei que eu penso demais, você já me disse. Todo mundo já me disse, mas eu não consigo não pensar. Faz parte de mim e eu não vou me desculpar. Não, isso não é uma despedida, mas eu vou embora. É melhor não tê-la. É melhor que me esqueça, por mais que me doa, eu não quero virar um fantasma na sua vida, mas já não posso ser uma lembrança viva. Não guarda na memória. Ela vai te atormentar quando você colocar a cabeça no travesseiro e eu não quero que você tenha problemas para dormir. Eu nunca quis te fazer mal. Claro que a gente ainda vai se encontrar. Não sei como vai ser. Como eu poderia? Mas acho que um dia, provavelmente quando estivermos andando na rua, a gente vai se cruzar e se perguntar por que tudo acabou e não vamos conseguir lembrar. As únicas memórias que vão sobrar era de como éramos quase essências nos dias um do outro. Nós vamos achar que foi por um motivo tão bobo que acabou. Tudo parece tão idiota depois que já passou. Mas a gente não vai voltar. Antes disso o semáforo vai abrir, e o carro de trás vai buzinar e vamos seguir com as nossas vidas. Somos tão esquecíveis. Queria te agradecer por ser a pessoa mais bonita a cair no meu esquecimento. Espero, sinceramente, que não se machuque na queda, porque eu já te falei, tive que cavar mais fundo. Detalhes, esses benditos, deixam tudo mais difícil. Pressinto que vai ser um longo caminho até você finalmente chegar lá, mas a vida é urgente, e já que tem que ser assim, que seja logo.)
- As coisas andam tão corridas. 
- Você tá diferente...
- Desculpa, mas eu tenho que ir agora. Tenho hora marcada e...
- Fica para outro dia, então?
- Sim, pode deixar.

Nunca mais se encontraram, porque esse era um daqueles dias que nunca chegam no calendário. Esses se perdem no meio dos meses porque nunca foi pretensão deles existir.


Para quem já leu Para Uma Avenca Partindo,  e para quem nunca ouviu falar.


Comentários

Luís Monteiro disse…
É que no fundo, querendo ou não, a maioria das pessoas são passageiras. E as melhores, de almas mais bonitas, vão se distanciando, e os melhores vínculos vão se desfazendo com um "a gente foi deixando de se falar", e por ai vai...

E ás vezes a gente olha esse tal alguém por ai, num lugar qualquer e as conversas que antes duravam horas acabam se transformando em: "e ai tudo bem?, sim, e contigo, que tem feito?" e depois cada um segue seu canto.

Mas é a vida. Faz parte.
Boa noite. "_"
Henrique Miné disse…
nossa, tirou meu folego esse.

acabei de sair de (mais) um relacionamento e ler esse texto assim, tão sincero, tão afiado, foi um soco no estomago.

CARALHO RENATA, PODIA TER ME AVISADO ANTES! haha

um neeijo pra vc! (:
Tha'li disse…
Lindo texto.
E tava ouvindo I won't let you go do James morrison durante a leitura.

Pessoas estão sempre indo e vindo nas nossas vidas. fato.
Camila disse…
Nossa, muito bom ler tudo isso, escreves com a alma :)

Postagens mais visitadas